Klint Kubiak pretende usar tudo que tem
Klint Kubiak pretende usar tudo que tem
“Dispare suas balas”. Essa é a lição de vida de Klint Kubiak, coordenador ofensivo dos Saints, uma vida passada dentro do futebol.
Por Luke Johnson, em 6 de agosto de 2024. Traduzido e adaptado por José Eduardo Zanon.
As conversas entre Klint Kubiak, novo coordenador ofensivo do New Orleans Saints, e seu pai, Gary Kubiak (ex head coach de Houston Texans e Denver Broncos), sobre sua profissão sempre voltam ao mesmo lugar.
Quando eles falam sobre futebol americano, não é apenas uma conversa normal entre pai e filho. As palavras de Gary Kubiak carregam o peso da experiência e do conhecimento quando ele diz ao seu filho, prestes a treinar seu primeiro jogo com o do New Orleans Saints, “seja agressivo”.
“Ele simplesmente não desliga o telefone sem dizer esta frase, e acho que é um ótimo conselho”, disse Klint. “Você chega a uma parte do jogo e às vezes sente: ‘Bem, vamos apenas completar esta descida aqui’, em vez de ter a mentalidade de ‘Vamos marcar nessa jogada’.”
Gary Kubiak passou quase quatro décadas como técnico da NFL. Ele atuou como coordenador ofensivo de duas equipes campeãs do Super Bowl e como técnico principal de uma terceira. Ele foi um coordenador ofensivo e um chamador de jogadas de grande sucesso que ajudou a moldar a forma como o futebol ofensivo é jogado hoje.
Os Saints contrataram Klint nesta offseason e colocaram o ataque em suas mãos. Tudo é novo; sua equipe (escolhida a dedo), a linguagem e o esquema de jogo. Ele trouxe consigo todas as lições aprendidas de uma vida no futebol – de seu pai, sim, mas também de uma longa lista de outras influências, e de seus próprios sucessos e fracassos.
Tanto trabalho foi feito para preparar este momento, mas ele chegou. E em algum momento no jogo de abertura da temporada de domingo, contra o Carolina Panthers, o esquema e a linguagem não vão importar tanto quanto aquela ideia que seu pai sempre repete.
Ele vai chamar as jogadas e vai ter que decidir se pisa no acelerador.
“Dispare suas balas”, disse Klint Kubiak.
A temporada de estreia de Klint como coordenador ofensivo dos Saints pode depender totalmente dessa ideia e de quão bem sucedido ele for em executá-la.
O novo ataque da Costa Oeste
Por anos, os Saints estiveram na vanguarda da inovação ofensiva. Sean Payton foi o arquiteto, Drew Brees foi o gatilho, e New Orleans se colocou, ano após ano, como uma das melhores ofensivas da NFL por mais de uma década.
Então Brees se aposentou.
Então Payton foi embora.
Então os Saints tentaram desesperadamente manter a magia.
Levou dois anos para eles percebessem, mas os Saints finalmente entenderam que a versão genérica do ataque de Payton e Brees não estava dando certo. E foi a busca por uma nova poção mágica que os levou a Kubiak.
Muitos dos novos porta-estandartes ofensivos da NFL têm origens na Costa Oeste, versões de esquemas pioneiros pelo técnico do San Francisco 49ers, Kyle Shanahan, e pelo técnico do Los Angeles Rams, Sean McVay. A liga está repleta de galhos bem-sucedidos dessas árvores – Matt LaFleur em Green Bay, Mike McDaniel em Miami, Kevin O’Connell em Minnesota, Bobby Slowik em Houston.
Vá um pouco mais fundo, e você vai ver que tanto McVay quanto Kyle Shanahan têm conexões com Mike Shanahan e, direta ou indiretamente, com Gary Kubiak. Os Saints queriam entrar nessa tendência.
De todas as influências em sua carreira, nenhuma pode ser mais importante do que o ano que Klint passou trabalhando com Kyle Shanahan em San Francisco. No caminho para o Super Bowl na última temporada, os 49ers terminaram entre os cinco primeiros em praticamente todas as estatísticas ofensivas. E Kubiak estava sentado na primeira fila, guiando tudo isso.
E aqui vem aquela pequena frase que Gary Kubiak sempre repete em conversas com seu filho.
“A agressividade de Kyle Shanahan ao chamar uma jogada, as situações em que você coloca o quarterback, entendendo seu grupo e o que ele faz de melhor – é muito valioso sentar e assistir alguém fazer isso”, disse Gary Kubiak. “Então, essa experiência de estar perto do Kyle e vê-lo fazer a coisa dele toda semana, vê-lo disparar suas balas para sua equipe todos os domingos, é algo que você realmente precisa utilizar.”
Klint conhece Kyle Shanahan desde que eram crianças. Existe uma história de família infame sobre a vez em que Shanahan, como “babá” de Klint, ficou tão bravo com ele que o pendurou pela cueca em uma maçaneta.
“Honestamente, já ouvi essa história de tantas pessoas que provavelmente deve ser verdade”, disse Klint. “Não me lembro, mas não vou negar.”
Deixando de lado a veracidade dessa história de babá, a experiência de Klint trabalhando ao lado de Shanahan na temporada passada foi profissionalmente formativa.
O gerente geral de São Francisco, John Lynch, descreveu Klint como “uma esponja” ao redor de Shanahan, não apenas contribuindo para os planos de jogo semanais da equipe, mas absorvendo todo o processo. Ele não viu alguém que estivesse simplesmente tentando usar uma posição na equipe de Shanahan como um trampolim para a próxima parada na carreira.
“Seus pés estavam onde deveriam estar, e ele tirou o máximo proveito disso”, disse Lynch.
Klint observou Shanahan de perto – a maneira como ele gerenciava sua equipe e utilizava seus pontos fortes ao montar o plano de jogo, a maneira como ele navegava por toda a dinâmica da equipe e, sim, a maneira como ele chamava as jogadas.
Na opinião de Klint, há uma arte em ser um grande play-caller (chamador de jogadas).
“O que eles veem no jogo, como eles fazem os ajustes, como eles se comunicam com os jogadores”, disse Klint. “Eu não estou nem perto de estar nesse nível agora. Tenho muito trabalho a fazer; tenho muito a provar, mas estou fazendo isso com os treinadores ao meu redor e nossos jogadores.”
‘Poder sob controle’
Para alguém que quer ser agressivo, Klint não demonstra externamente os traços clássicos de um homem agressivo.
Às vezes é difícil destacar Klint enquanto ele exerce sua profissão. Ele não é nem alto nem chamativo, quase se fundindo ao fundo enquanto conversa silenciosamente com os quarterbacks. Quando ele fica atrás de um microfone, ele pode ser a pessoa que você menos espera que vá dizer algo que vai gerar manchetes dentro da organização.
Essa faceta pública do trabalho não corresponde ao que os jogadores dos Saints veem quando trabalham com ele, no entanto. Ele é quieto, sim, mas é um tipo de quietude intensa.
“Ele é poder sob controle”, disse o quarterback Derek Carr. “Ele é calmo, mas há uma certa autoridade nele.”
Isso é evidente para Carr, tanto em campo quanto nas salas de reunião. O que não se pode ver ou ouvir à distância é o alto padrão que Klint exige que seus jogadores atinjam. O que pode parecer uma repetição de treino rotineira é na verdade Kubiak repassando algo novamente para que um quarterback possa acertar um pequeno detalhe absolutamente antes de poderem passar para o próximo.
“Ninguém escapa”, disse Carr. “Se eu faço algo, se eu completo um passe, já aconteceu umas cinco vezes em que o Klint fica tipo, ‘Não, eu preciso que seja mais rápido’. … Ele está me pressionando o tempo todo para tentar ser perfeito.”
A verdade é que não importa se Klint ganha uma coletiva de imprensa – não agora, pelo menos, enquanto ele pode operar confortavelmente apenas nos bastidores. Só os resultados importarão, e ele acredita que os resultados serão um produto dos pequenos detalhes que nem sempre aparecem nas filmagens do jogo. Por mais ousado que Payton fosse, ele veio da mesma escola de pensamento.
E a atenção aos detalhes é óbvia. Kubiak não precisava fazer alarde, um bom observador perceberia quantas vezes ele forçava o ataque a voltar para o huddle porque não gostava de algo. Os quarterbacks falaram longamente sobre o mantra “ouça seus pés” que Klint e o treinador de quarterbacks Andrew Janocko têm martelado neles.
E essa é uma via de duas mãos.
“Ele espera mais de si mesmo do que qualquer outra pessoa”, disse Janocko. “Ele é o primeiro a admitir que se algo não está certo, começa com ele. E se algo der errado, começa com ele. E ao fazer isso e ao se manter nesse padrão, todos os outros entendem que você precisa estar lá, nesse nível, também.”
Negócio de família
Há uma foto no escritório de Gary Kubiak que mostra seus dois filhos mais velhos posando no banco do Denver Broncos, no Giants Stadium. A foto foi tirada em 13 de dezembro de 1998, em um dia frio em Nova Jersey, e seus filhos Klint e Klay estavam ambos envoltos em parkas. Eles puderam assistir ao jogo porque Mike Shanahan permitiu que seus assistentes levassem seus filhos para um jogo fora de casa por ano.
A lembrança do futebol daquele dia não foi feliz. O ataque de alta potência de Gary conseguiu apenas um ponto em uma derrota que só foi memorável porque foi a primeira derrota do Denver Broncos desde o início da temporada, quebrando a invencibilidade de 13 jogos dos Broncos. Mas a dor da derrota já passou, e a foto continua sendo uma lembrança – um lembrete do tempo que eles tiveram para compartilhar e, de certa forma, um presságio do futuro.
O futebol americano se tornou o negócio da família Kubiak. Os filhos de Gary cresceram nas laterais de campos da NFL que ainda percorrem. Klint é o coordenador ofensivo dos Saints; Klay é um especialista em jogadas de passes ofensivos para o San Francisco 49ers.
“A maçã não caiu; a maçã provavelmente quicou e voltou ao seu galho”, disse Janocko. “E isso é de uma forma boa.”
Mais de duas décadas e meia se passaram desde que aquela foto foi tirada, e grande parte desse tempo foi concentrada no futebol. Gary Kubiak disse que foi por “egoísmo próprio, querendo passar mais tempo com meus filhos” que ele os envolveu. O verão era para ajudar no training camp, o outono era para ajudar onde pudessem – como carregadores de bolas ou na sala de equipamentos. Isso se transformou em jogar futebol americano, depois em ser treinador. Eles nunca deixaram o jogo.
A vida de Klint no jogo lhe deu acesso a uma longa lista de influências de alto perfil. Seu pai jogou sob o comando do técnico do Hall da Fama Bill Walsh, e treinou sob o comando dos vencedores do Super Bowl Mike Shanahan, George Seifert e John Harbaugh, e treinou ele mesmo um de seus times para um título. Em sua carreira de treinador, Klint trabalhou sob comando de mentes ofensivas como Norv Turner, Kliff Kingsbury, Kevin Stefanski e Kyle Shanahan.
“Tem muita gente”, disse Klint. “Você pega tudo de bom, pega tudo de ruim, e no final do dia, tem que ser você mesmo.”
O caminhão de mudança
Suas experiências também apresentaram Klint às duras verdades do jogo. Sua década como técnico da NFL o levou a cinco organizações diferentes, nunca passando mais de três temporadas em um determinado lugar. Aos 37 anos, esta já será sua terceira oportunidade de chamar jogadas para um ataque da NFL.
Essa é a natureza difícil de ser um técnico da NFL. Gary Kubiak não pode falar por seu filho, mas pode falar por sua própria experiência.
Após seus sucessos como coordenador ofensivo do Denver, incluindo dois títulos do Super Bowl, Gary ganhou a oportunidade de dirigir uma franquia. Ele assumiu o comando do Houston Texans e, em suas oito temporadas lá, os levou a sua primeira temporada com recorde positivo de vitórias e dois títulos de divisão.
Mas após o segundo desses títulos de divisão, os Texans demitiram o velho Kubiak após um início 2-11 na temporada de 2013. Ele ficou extremamente desapontado com a forma como as coisas terminaram e passou por um dos períodos mais difíceis de sua carreira profissional. Ele engoliu seu orgulho e aceitou uma posição de coordenador ofensivo com os Baltimore Ravens de Harbaugh.
“Essa foi a melhor decisão que já tomei na minha carreira de treinador”, disse Kubiak.
Foi uma reinicialização forçada, que proporcionou uma nova oportunidade de aprendizado para alguém que já estava no negócio por grande parte de sua vida. Gary conhecia as maneiras como ele gostava de administrar uma equipe, mas então ele viu Harbaugh fazer isso.
“E há tantas coisas que você diz, ‘Caramba, isso é incrível. Eu gostaria de ter feito isso da primeira vez’”, disse Gary. “Então você está sempre adicionando algo ao seu repertório. Você está colocando seu nome em algo, mas está tirando alguma coisa de muitas pessoas.”
Dois anos depois de passar uma temporada como coordenador ofensivo de Harbaugh, Gary Kubiak teve uma nova oportunidade como head coach e levou o Denver Broncos ao título do Super Bowl L (cinquenta).
Apesar de todas as suas influências positivas, Klint Kubiak também aprendeu com suas chances que não deram certo.
Ele assumiu as responsabilidades de chamar as jogadas para o Minnesota Vikings após a aposentadoria de seu pai, e não foi mantido depois que o técnico Mike Zimmer foi demitido após uma temporada de 8-9. Ele foi colocado no mesmo papel com o Broncos no ano seguinte, depois que Nathaniel Hackett foi demitido no meio da temporada de 2022, e novamente, ele não foi mantido após a temporada.
As experiências deixaram uma marca em Klint. Ele costumava ser do tipo que se trancava em um quarto e tentava resolver todos os problemas do ataque sozinho. Então ele foi para São Francisco e viu como Kyle Shanahan se apoiava fortemente em seus assistentes. Ele os desafiou, não apenas querendo as respostas, mas o porquê por trás destas respostas. E Klint percebeu que isso o fez querer trabalhar mais.
Não haverá mais portas de escritórios trancadas, com ele tentando descobrir tudo sozinho. Sua vida no futebol americano ensinou a Klint que, se ele quiser ser bem-sucedido, como Shanahan, como seu pai, ele terá que confiar em sua equipe e na diversidade de suas ideias.
Eles se comunicarão em excesso. Eles trocarão ideias e soluções uns com os outros. E eles chegarão ao dia do jogo com o melhor e mais conclusivo plano que puderem reunir, que permitirá que seus jogadores sejam bem-sucedidos.
Esta é a terceira vez que Klint Kubiak assume o cargo de coordenador ofensivo na NFL. Se ele conseguir aplicar com sucesso todas as lições que aprendeu ao longo de sua vida no futebol, New Orleans pode ser o local de seu sucesso. Mas também pode ser sua última oportunidade de chamar jogadas.
“Se sua mentalidade é a de longevidade, você vai sair muito rápido”, disse Klint. “Então eu estou… apenas tentando viver o momento e dar aos nossos caras uma grande chance de vencer. Porque (se não der certo), lá vem o caminhão de mudança.”
Então, quando ele enviar uma jogada para o capacete do quarterback, Klint estará pensando no conselho de seu pai.
“Não guarde nada”, disse Klint. “Não segure nada.”
Texto original publicado em NOLA.com.
Foto de capa: Offensive coordinator coach Klint Kubiak answers questions about training camp during the sixth day at Crawford Field at University of California, Irvine, Calif., Tuesday, July 30, 2024. (Photo by Sophia Germer, The Times-Picayune)