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Crônicas em Preto e Dourado: O Dia da Marmota

Crônicas em Preto e Dourado: O Dia da Marmota

O Feitiço do Tempo é um filme de 1993 estrelado por Bill Murray, que conta a história de um jornalista escalado para cobrir um evento chamado O Dia da Marmota em uma pequena cidade do interior. Inexplicavelmente, ele passa a acordar sempre neste mesmo dia, inúmeras vezes. Sem saber como reverter isso, com o tempo ele passa a enxergar uma forma de viver esse mesmo dia de outras maneiras, tornando-se uma pessoa melhor.

Pois o Saints tem seu próprio Dia da Marmota, que no nosso caso, equivale a uma temporada. Todos os anos parecemos viver a mesma história, de um time com imenso potencial que desperdiça a chance de chegar ao topo por conta dos mesmos erros, assim como o personagem de Murray no começo do filme. Erros que também acontecem na temporada regular, mas que têm seu impacto reduzido por não custarem uma eliminação como nos playoffs. Os sinais estão presentes, mas a gente sempre acredita que vai acordar no dia na temporada seguinte e viver algo novo. Mas não, é a “Temporada da Marmota” mesmo.

Pois volto a publicar depois de quase um mês com a difícil missão de analisar este ciclo de equívocos que acomete este bom – é importante ressaltar – time do New Orleans Saints.

Sim, este texto será em primeira pessoa e sem o uso de parábolas ou coisas do tipo, porque este texto precisa cumprir a função de um tijolo com a palavra REALIDADE escrita nele e caindo bem no meio das nossas cabeças. Ok, eu poderia desmaiar e acordar pensando que sou Peter Parker e tentar por inúmeras vezes, de forma infrutífera, escalar o muro daqui de casa, mas tenho certeza de que você, leitor, entendeu o recado.

Aliás, parte do recado. Porque o meu recado pra você (e é importante frisar que esta é minha opinião) é que o New Orleans Saints não será campeão novamente com Sean Payton como técnico. Mas calma, não é perseguição da minha parte, muito pelo contrário. Acho Sean Payton um treinador extraordinário. É que as coisas parecem não funcionar mais num nível em que possamos ser capazes de vencer jogos decisivos.

Faça um exercício mental: procure descrever as derrotas mais relevantes do Saints dos últimos anos. Perceba que, em algum momento, você provavelmente utilizará a palavra quase em todos. “Foi quase, não fosse aquele tackle”, “quase vencemos, não fosse pela arbitragem”, “quase, mas teve o fumble“…  Sempre houve – e haverá – um degrauzinho, aquele que você não percebe que está ali porque está com a cabeça deveras erguida vislumbrando a porta de entrada para a glória e toda a euforia vindoura, até bater o pé nele num impacto sutil, mas tão preciso, que seu corpo é arremessado para frente sem que haja a menor possibilidade de não se esborrachar de cara no chão.

Por ser um time tão bom, o Saints sempre enfrenta qualquer adversário de igual pra igual, sempre com chance de vencer. Ora, mas esta qualificação não existe graças a Sean Payton? Claro que sim. Se chegamos até aqui, foi graças a ele; mas se não vamos mais longe, é também por sua culpa. Cabe ao torcedor e torcedora do Saints a reflexão: você está satisfeito com este lugar em que o Saints se encontra ou gostaria que ele fosse mais longe?

O meu texto é pra quem escolhe a segunda opção. A cada derrota (que quase sempre acontece pelos mesmos motivos) eu tento ser menos exigente com este time, pois cada vez mais me convenço de que isto é o que ele tem pra oferecer: bons momentos, jogadas sensacionais de jogadores brilhantes e títulos de divisão. Porque se eu continuasse com aquela expectativa que os próprios jogadores e comissão técnica estabeleceram – Super Bowl or bust – eu tenho a sensação de que em determinado fim de semana em meados de janeiro o BUST vai saltar da tela da minha TV piscando freneticamente e me deixando com uma baita dor de cabeça por dias.

E como disse, esta futura derrota, muito provavelmente, será pela mesma razão: a incapacidade de Sean Payton de fazer apenas um feijão com arroz bem feito. Ele é o tipo de cara que chegaria na final do Masterchef e faria um arroz com café. “Cuidado, porque às vezes as coisas que funcionam na cabeça não funcionam na prática”, teria dito Paola Carosella a ele também. Serve para a comida, serve para o nosso head coach em vários jogos. Aliás, como seria a história do Super Bowl XLIV se aquele onside kick não tivesse sido recuperado? Este lance seria discutido por toda a eternidade caso tivéssemos perdido a partida. Mas a vitória foi a recompensa pela “ousadia” e seus louros ressignificaram uma jogada que, em tese, era bastante louca. É por essas e outras que considero Payton um gênio, pois a genialidade navega nas águas da loucura.

E talvez Sean Payton abrace demais seu lado louco. Por muitas vezes ele parece insistir em estratégias e jogadas que fogem do simples. Como um enxadrista que tenta desesperadamente achar um xeque-mate, quando a melhor jogada seria apenas mover um peão para frente. Ou um running back, no caso. Mesmo com um jogador do calibre de Alvin Kamara em seu elenco e com o ótimo Latavius Murray, Payton prefere arriscar demasiadamente em jogadas de passe, inclusive para o próprio Kamara. E com um time com tanto poder pelo chão, por que ele simplesmente não usa o play action com mais frequência?

A impressão é de que ele parece querer sempre provar algo, como se quisesse mostrar para o mundo – e para si mesmo – toda a sua genialidade. Uma competitividade calcada na capacidade de vencer à sua maneira – e só à sua maneira. Mas o esporte e o mundo são dinâmicos, e Payton parece não estar disposto a reconhecer que precisa ser mais flexível. O problema é que seu relacionamento com o time já é longo, e o Saints, claro, também mudou. Muito por conta dele, é verdade. Porém, por mais que ambos se gostem, chega um ponto na relação em que ambos mudam, ou o desgaste é inevitável, até chegar ao ponto em que vocês não conseguem tomar um simples café juntos. Quando isso acontece, a admiração vai esfriando como esse café, até deixar de existir.

Seria melhor que antes disso, Saints e Sean Payton pudessem sentar-se à mesa, tomar suas xícaras de café bem quentinho, olhassem um para o outro, ainda com aquele brilho nos olhos, e com um belo sorriso dissessem: “Que bela jornada vivemos! Mas chegou a hora de cada um seguir seu próprio rumo e ser feliz.” E tudo terminaria com um longo abraço, com um respeito que só duas partes que tanto se amam podem ter.


Este texto não representa necessariamente a opinião da equipe Saints Brasil.

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