Crônicas em Preto e Dourado: O Paradoxo da Queda
Crônicas em Preto e Dourado: O Paradoxo da Queda
Eu sempre fui um excelente aluno nos meus tempos de infanto-juvenil, e exibia, orgulhoso, um boletim repleto de notas altas. Apesar de demonstrar certa facilidade na compreensão dos conteúdos, havia uma cobrança rigorosa da parte dos meus pais por tal nível de excelência. Assim, era com certa frustração que eu ouvia suas críticas quando aparecia com uma “mísera” nota 8, afinal de contas, “eu não fazia nada além de estudar”. Com uma vida simples e um tanto sofrida, meus pais achavam que a única maneira de eu ter uma vida mais confortável seria com um diploma na parede. Por isso a cobrança era desmedida.
No Japão e na Coreia do Sul, a exigência por um bom desempenho nas atividades escolares é tão grande que estes países têm algumas das taxas de suicídio entre adolescentes mais altas do mundo. São países cujo desenvolvimento econômico no pós-guerra se deve, em grande parte, a um forte investimento em educação; portanto, estar sempre em alto nível neste quesito é uma estratégia de sobrevivência.
Esta competitividade que assola o mundo e nos atinge de forma tão precoce faz com que sejamos muito exigentes com tudo o que nos cerca, e quanto maior o potencial, maior a expectativa. “Quanto maior a altura, maior o tombo”, já dizia o ditado que, provavelmente, surgiu em tempos bíblicos, durante entusiasmadas conversas sobre como um rapaz meio maluco enfrentou um gigante apenas com um estilingue na mão – e o derrotou.
Agora imagine só a decepção da galera do lado do gigante, contando os minutos para celebrar mais uma vitória, já que o favoritismo era todo dele, óbvio, ele ia lá morrer com uma pedrada? Pois é. Se fosse hoje, com certeza teria sido execrado nas redes sociais e xingado à revelia nos grupos de torcedores do gigante. Ora, onde já se viu sair derrotado dessa maneira? #ogigantecaiu
O esporte, em sua natureza competitiva, é o suprassumo desta busca por excelência em resultados, seja pelas cifras milionárias que o movimentam (no caso do futebol americano), seja pela relação apaixonada que o torcedor tem com seus times do coração. E quem é favorito, quem é melhor tem que vencer, vencer e vencer.
Pois bem, o Saints teve certa dificuldade contra um adversário notavelmente inferior, mas não correu riscos. O que nos coloca exatamente onde na escala Davi-Golias? Somos os imbatíveis? Somos os que surpreendem? Somos os que ficam ali no cantinho, de bobeira, e se surgir a oportunidade a gente belisca? É importante saber esta resposta, pois o nível de confiança – e de maneira complementar, o de decepção – vai depender dela. Se a confiança é absurda, a queda é proporcionalmente brutal.
E deixa eu te contar um segredo: para qualquer torcedor, seu time sempre será o maior de todos, mesmo que ele não admita. E daí surge um interessante paradoxo: se a exigência é alta, o medo da queda aumenta, e então o nível de confiança diminui.
Com o Saints não é diferente, aliás, é pior: as traumáticas eliminações dos últimos anos fazem com que esta desconfiança se torne praticamente um lema da torcida, em total dissonância com o tradicional canto entoado no Superdome. Por tudo isso, quando o confronto contra o Buccaneers foi definido, a reação mais comum foi de medo, mesmo que as estatísticas estejam a nosso favor. Mesmo sabendo que, mais cedo ou mais tarde, teríamos que enfrentar um adversário bem mais forte.
Fica então a reflexão. Podemos deixar um pouco de lado esta inquietude que nos acompanha, esta necessidade de vencer uma temporada muito conturbada, esta cobrança implacável por um time sem erros, sem fraquezas. E não é que eu esteja me contradizendo com relação ao meu último texto, eu continuo achando que não será dessa vez. Mas torcer, para mim, é isto: é acreditar nas menores chances, é duvidar inclusive de mim mesmo. E indo além, sinto que será mais prazeroso se eu aproveitar cada momento, cada passe do Brees, cada corrida do Kamara, cada sack do Jordan, cada recepção do Thomas, até mesmo cada besteira do Taysom Hill. Vou ficar chateado se não vencerem? Sim. Mas diferentemente dos meus pais, vou deixar a crítica de lado por entender que certamente cada um ali deu o melhor de si.